Sempre gostei muito de escrever porque acredito que é possível imprimir
a este ato o que se sente, o que vai pela alma - talvez até o objetivo, a
finalidade, a real essência da vida. Quando entrei na escola, não havia feito
pré-escola, a minha mãe era professora formada mas, ainda não lecionava, éramos
muito pobres, em casa não havia material de leitura em abundância, os meus
primeiros contatos com escrita e leitura de verdade, foram na escola, apesar de
minha mãe ter o costume de ler histórias para mim e também desenhar comigo. A
cada letra que aprendia, chegava em casa e tentava ler os gibis do Tio
Patinhas, da Mônica e do Pernalonga. Tentava juntar as letras para que elas
fizessem sentido. Logo me transformei em boa aluna, estudiosa e bem vista pelos
professores. Minha mãe começou a lecionar quando eu estava na 3ª ou na 4ª série
do Ensino Fundamental. Nessa época, eu já era bem conceituada como aluna que
escrevia bem, ou pelo menos que se destacava no meio da turma. Procurava
escrever da forma mais correta possível e respeitando tudo aquilo que era
ensinado: começo, meio e fim, parágrafo, pontuação, assunto que prendesse a
atenção, bom título, etc. Então, nesse ano houve um concurso de redação do estado,
o "Contribuinte do futuro", e eu, é claro fui eleita para representar
a turma e depois a escola, não me lembro ao certo qual foi a minha
classificação mas, me trouxe muito prestígio. Ganhei um relógio em cerimônia
célebre com a diretora e toda a turma da escola e uma linda medalha e, além
disso, a crença de ser uma boa escritora e a promessa de um futuro promissor.
Isso me entusiasmou e conduziu minha vida escolar em grande estilo, sempre
requisitada para escrever e sempre me sentindo capaz disso. Eu só fiquei meio
chateada quando cheguei à faculdade porque percebi que o mundo da escrita não
era assim tão "cor de rosa" e que eu não sabia grande coisa.
Mas, voltando â palavra escrita, ao chegar à quarta ou quinta
série do Ensino Fundamental, descobri a beleza da poesia e me senti meio
artista, escrevia cartas e mais cartas de amor sob encomenda dos meus amigos e
as cartas faziam sucesso. Também, organizava todos os trabalhos em grupo. Com a
mãe professora, vivia ajudando na correção das lições e na preparação de
atividades, uma vez que resolvi fazer magistério. No magistério, a literatura
infantil me encantou porque além de escrever, e talvez até mais que escrever,
gostava de desenhar e pintar, ilustrar minha escrita. A minha professora de
Língua Portuguesa chamava-se Conceição e eu a achava um poço de sabedoria e
educação, ela me achava uma artista, dizia que eu devia escrever para crianças
e ilustrar os meus textos e me fez fazer vários desenhos do Pequeno Príncipe
para a biblioteca da escola. Na faculdade curti muito a monografia, qual é
chamada hoje, de TCC. Voltando no tempo é
interessante lembrar que eu era uma garota tímida, não exibia meus
"talentos", se é que posso chamá-los assim, mas, os professores e
colegas logo percebiam meu jeito de escrever e meu gosto pela leitura e pela
escrita. Quando comecei a ler o depoimento da Marilena Chauí, me identifiquei
com o jeito com que ela encara a leitura e a escrita e me emocionei porque isso
sempre me emociona - essa questão de abrir outras portas, outras
possibilidades, muitas possibilidades. Houve um tempo em que eu não sabia do
que mais gostava: música, pintura, leitura, escrita... como Newton Mesquita,
descobri que tudo isso nos preenche a alma e não possível viver bem sem
exercitar essas possibilidades. Com seu jeito simples e sincero, Newton
Mesquita se mostra através das coisas que gosta, mostra seu gosto apurado por
coisas que nos enriquecem. E claro, a prática fundamentada na teoria se
faz necessária e encontrei isso no depoimento de Nina Horta, pois
quando eu era criança, não fazia como as outras crianças, ao invés de correr,
pular, brincar, fazer arte, lia, escrevia, ficava no meu cantinho, trocava
qualquer coisa por um bom livro. No meu aniversário, pedia livros de presente e
viajava muito com eles. Muitas coisas contribuem para que o nosso gosto pela
leitura e pela escrita se aprimore ao longo da nossa vida, mas como é possível
perceber nas entrevistas de Gabriel, o Pensador e Gilberto Gil, aquelas
sementinhas plantadas lá na infância, no seio daqueles a quem amamos e daquela
pessoa especial, uma avó, uma tia, uma madrinha ou como no meu caso, a mãe que
contava histórias e anunciava um novo mundo que se desvela ao nos abrirmos à
leitura e à escrita, essa contribuição, esse exemplo, esse despertamento é
decisivo para nos inserirmos em toda essa riqueza que é ler e escrever. Isso
não quer dizer que não seja possível despertar o gosto tanto pela palavra
escrita quanto pela palavra lida, em pessoas mais experientes, como no
caso de Clair Feliz Regina que se redescobriu aos oitenta anos como
alguém capaz de produzir poesia e se empolgar, se encantar novamente pela vida. Rosangela Paganin Silva